Gabriel Bonis- Carta Capital
A
maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu pela
constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa nesta quinta-feira 16. A
inelegibilidade por oito anos de políticos condenados em segunda
instância, cassados ou que tenham renunciado para evitar a perda do
mandato, foi validada e abrange as eleições municipais de 2012.
A
decisão, no entanto, abre um precedente perigoso devido à quebra do
princípio da inocência, destaca Rodolfo Viana Pereira, doutor em
ciências jurídico-políticas e professor da Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG). Segundo ele, ao considerar que o impedimento de
participar de uma disputa eleitoral não é uma punição a um indivíduo
ainda não condenado sem todos os recursos possíveis, há a possibilidade
de aplicação retroativa da lei. “Com isso, novos critérios de
inelegibilidade podem ser criados para atingir pessoas específicas.”
O
professor, para quem a lei tem impropriedades técnicas e jurídicas, mas
também aspectos positivos – como o aumento do prazo da inelegibilidade
para oito anos -, usa como exemplo a renúncia. Quando Jader Barbalho
abriu mão de sua vaga no Senado em 2001 para escapar da cassação, diz,
esse era um preceito legal previsto, desde que acontecesse antes da
instauração de um processo administrativo.
A Lei do Ficha Limpa
adianta um comportamento como esse e o define como imoral, impedindo que
alguém tome essa atitude se houver um pedido de inquérito.
“Isso
abre a possibilidade de atos hoje considerados adequados, no futuro
serem considerados imorais (e avaliados de forma retroativa). É uma
futurologia eleitoral”, aponta. “O que estou fazendo hoje é válido, mas
será que amanhã pode me tornar inelegível?”
Alamiro Velludo Salvador
Netto, professor doutor da Faculdade de Direito da USP, destaca outro
ponto polêmico da lei: tornar inelegível um candidato apenas com a
condenação de um órgão colegiado ou em segunda instância, também baseado
na quebra do principio da inocência. “Há uma violação do projeto legal,
é uma condenação antes do fim do processo.”
Segundo ele, a
intenção de lei é positiva, mas toda legislação com finalidade de
aprimorar o processo democrático deve ser bem redigida. “Os juristas não
podem admitir uma afronta a determinados preceitos constitucionais.”
Netto
defende que um processo é uma reconstrução de um fato passado, “uma
verdade aproximada” e precisa das diversas instâncias para chegar a uma
condenação justa. Ele ainda critica o fato de a lei não levar em
consideração alguns casos específicos em que os órgãos colegiados não
atuam como instâncias recursais e sim como originárias das causas.
“Um
prefeito, por exemplo, segundo a Constituição, é julgado em ação
criminal no Tribunal de Justiça de seu estado. Neste caso, se condenado,
estaria inelegível em um julgamento sem possibilidade de revisão por
outro órgão (seria o equivalente a uma condenação em primeira
instância).”
Pereira destaca, porém, que a lei prevê um recurso do
candidato condenado desta maneira, no qual pode recorrer ao Tribunal
Superior Eleitoral para suspender a inelegibilidade e disputar a
eleição.
Apesar de importante, o professor da UFMG defende que a
Ficha Limpa não precisaria ter avançado em aspectos mais amplos, como
dar poder a um órgão de classe para gerar inelegibilidade. “Agora, ele
pode tirar alguém de uma eleição. Hoje, se uma pessoa for removida do
comando de uma ONG por discordar de suas ideias não há problemas
eleitorais. No futuro, não se sabe.”
“Abriu-se um precedente para
que organizações da sociedade civil possam criar inelegibilidade. Não é
possível saber onde vamos parar e isso é perigoso para a estabilidade
democrática.”





Nenhum comentário:
Postar um comentário